A revista Exame ( número 859) observa em uma matéria a respeito dos novos caminhos do marketing, o uso cada vez mais acentuado pelas empresas da pesquisa etnográfica. Leiam abaixo:
o supermercado, na favela, no bar...
Por que cada vez mais empresas deixam de lado as pesquisas formais e fazem executivos mergulhar no mundo real dos consumidores
Por Silvana Mautone 25.01.2006
Revista EXAME -
Ao final da tarde de quinta-feira 8 de dezembro, o executivo Eduardo Bendzius, um dos responsáveis pelo marketing da Diageo, dona das marcas de bebidas Guiness, Johnny Walker e Smirnoff, deixou o escritório da companhia na zona sul de São Paulo e seguiu para um bar na região. Nunca tendo carregado uma bandeja com apenas uma mão, Bendzius trabalhou aquela noite como garçom, num programa da Diageo que se propõe a levar os cerca de 150 funcionários da área administrativa às ruas para que fiquem cara a cara com os clientes em casas noturnas, restaurantes e supermercados. Bendzius atuou como garçom em dois bares na mesma noite e ainda rumou para uma loja da rede Pão de Açúcar com a tarefa de observar o comportamento de compra dos clientes. "Essas saídas são um choque de realidade", diz ele. "Fica claro que nós, homens de empresa, damos mais importância à marca que o consumidor. O cliente não muda de bar se não encontrar nossos produtos."Mais do que um modismo, sair do escritório para conviver, observar e conversar com consumidores, estejam eles onde estiverem, tornou-se indispensável para as empresas que querem vencer a corrida da inovação. As tradicionais pesquisas de mercado -- aquelas pilhas de papel e números sobre as mesas de executivos e empresários -- podem ajudar, mas já não são suficientes para desvendar as necessidades e o comportamento do consumidor. "Ao ir para as ruas, saímos do universo das estatísticas e nos aproximamos rapidamente do cliente", diz Juliana Schahin, diretora de marketing da subsidiária brasileira da Procter & Gamble, uma das maiores fabricantes de bens de consumo do mundo. "É no contato olho no olho com o consumidor que as empresas obtêm informações capazes de diferenciá-las no mercado." Batizado de marketing etnográfico, esse método de pesquisa se inspira em conceitos da antropologia, a disciplina que estuda o comportamento do indivíduo em seu meio. Trata-se de um exercício complexo, que poucos homens e mulheres de negócios estão dispostos a fazer. É preciso, por exemplo, deixar o conforto das planilhas e do ar condicionado dos escritórios para encarar a dureza do mundo real. "Para fazer um trabalho realmente sério, são necessários meses de imersão num mesmo ambiente", diz a antropóloga carioca Lívia Barbosa. Segundo ela, no entanto, mesmo experiências mais rápidas de contato direto com o mercado são úteis para afastar as empresas da letargia. "Os executivos que vão para as ruas ficam muito mais sensíveis a realidades que normalmente desconhecem."Os resultados podem ir de novos produtos e serviços a correções de rumo da empresa. Foram os consumidores, por exemplo, que mostraram à Diageo que vender seus uísques em três vezes sem ju ro nos supermercados poderia ser um bom negócio. "Percebemos que havia clientes que não podiam comprometer 60 reais do orçamento mensal para comprar a bebida, mas levariam o produto se tivessem a chance de pagar a prazo", diz Rogério Reis, diretor comercial da empresa.Essa prática vem sendo disseminada, nos últimos tempos, pelos presidentes mundiais das duas maiores empresas de consumo do mundo. A exemplo do que fazem em outros países, Patrick Cescau, da anglo-holandesa Unilever, e Alan Lafley, da americana P&G, sempre reservam um tempo para visitas inesperadas a supermercados ou casas de consumidores antes de se reunir com os executivos de suas filiais no Brasil. Engenheiros, entre outros profissionais das filiais européias da Ford, freqüentam salões de beleza e casas noturnas londrinos para se aproximar da geração de echo boomers -- jovens nascidos entre 1982 e 1995 --, a primeira que cresceu com computadores dentro de casa. Para ter uma idéia da importância que confere a esses contatos de terceiro grau, a Ford programou um dia de curso para milhares de funcionários nos Estados Unidos para que aprendam como se comunicar com os consumidores, seja numa pizzaria, seja na fila do cinema.No Brasil, a Johnson & Johnson empenha-se nessa prática desde o início da década. Já levou seus profissionais de marketing a praias de São Paulo, Santa Catarina e Bahia para conhecer melhor os hábitos dos usuários de protetor solar. "Pela primeira vez na vida, trabalhei de chinelo e biquíni", diz Maria Eduarda Kertesz, diretora de marketing. Numa pesquisa posterior sobre absorventes femininos, Maria Eduarda visitou moradores de pequenas cidades do Nordeste. Na ocasião, grávida de seis meses, ela visitou casebres de um só cômodo cujo único lugar para sentar era o colchão do casal. "Nessa pesquisa, pudemos ver como a sexualidade feminina é encarada de maneiras diferentes nas diversas regiões do Brasil", diz Maria Eduarda. "Ter esse tipo de informação é fundamental na hora de criar produtos ou campanhas de comunicação."Entre as multinacionais, a Unilever foi pioneira em aderir ao marketing etnográfico no Brasil. Em meados dos anos 90, até uma residência típica de baixa renda foi montada em uma das unidades da empresa em São Paulo para ajudar seus funcionários a mergulhar no universo desses consumidores. A prática se manteve, espalhou-se por diferentes áreas da companhia e é responsável por várias novidades. Foi da experiência de acompanhar donas- de-casa cozinhando que surgiu a idéia de lançar, em abril passado, molhos de tomate com polpa de beterraba, cenoura, espinafre e vegetais combinados. Detalhe: sem o gosto dos legumes, apenas com seus nutrientes. "Cansei de ver mães que eram categóricas ao afirmar que obrigavam, sim, seus filhos a comer legumes e verduras", afirma Claudia Ignácio, gerente de pesquisa. "Mas ao mesmo tempo víamos a criança na mesa separando tudo que era verdinho no canto do prato." Pesquisas que se limitam a perguntas formais não captariam fatos como esse, que só podem ser detectados com a observação no dia-a-dia. Na Procter & Gamble, o cara-a-cara com o consumidor começou a ganhar espaço em 2003. Na época, profissionais das áreas de marketing, pesquisa, vendas e finanças conviveram durante uma semana com famílias cuja renda mensal variava de 400 a 1 200 reais. Para cumprir suas metas globais, a empresa precisava elevar seu faturamento em mercados emergentes como o brasileiro. A chilena Anamaria Gotelli, gerente de pesquisa da P&G, foi uma das participantes da convivência com os consumidores. Recém-chegada ao Brasil, Anamaria freqüentou a casa de uma família que morava na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo. Durante seis dias, ela almoçou, jantou, levou as crianças à escola, foi à feira e ao supermercado. Repetiu, enfim, cada um dos passos da rotina familiar. Anamaria descobriu que os consumidores de baixa renda são muito mais receptivos a vendas porta a porta -- que, independentemente do produto, representa concorrência, já que o orçamento dessas famílias é limitado. Também observou que a área onde lavam a roupa costuma ser descoberta e úmida. Por isso, a P&G substituiu a embalagem de papel do sabão em pó por outra, de plástico.Com freqüência, Anamaria e sua equipe trocam os trajes corporativos por roupas casuais em visitas a regiões de comércio popular, como o largo 13 de Maio, na zona sul de São Paulo. Em dezembro, durante uma de suas saídas, Anamaria entrou num salão de beleza e pagou 12 reais por uma escova -- apenas para ouvir conversas de donas-de-casa sobre hábitos domésticos. A razão disso é que xampus, sabonetes e per fumes estão entre os principais itens produzidos pela P&G. E nenhum ambiente é mais propício a comentários espontâneos do que o cabeleireiro do bairro.A P&G também chegou à conclusão que, apesar do dinheiro curto, o público de baixa renda, sempre que tem dinheiro extra no bolso, prefere comprar embalagens maiores, que reduzem o custo unitário. No caso de fraldas, lançou pacotes com cerca de 40 unidades. A Kimberly-Clark, que já teve funcionárias da área de marketing participando de cursos de gestantes somente com o intuito de observar as mães de primeira viagem, fez um movimento oposto ao lançar embalagens com apenas duas fraldas. Por enquanto, o minipacote está sendo vendido nas regiões mais pobres do Rio de Janeiro e do Ceará. "Muitas famílias ainda recorrem às fraldas de pano e usam as descartáveis apenas em eventos que consideram especiais, como a ida ao médico ou passeios de fim de semana", diz Eduardo Aron, diretor de marketing da Kimberly-Clark.Depois de perder vendas para as chamadas marcas talibãs em diferentes mercados nos anos 90, a Nestlé do Brasil reagiu ao decidir concentrar-se nos hábitos dos consumidores de baixa renda. Com profissionais em contato intenso com as comunidades para as quais desenvolve projetos sociais, surgiram idéias que se materializam em novas oportunidades de negócios. Há cerca de dois anos, nas periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro, a empresa passou a operar com cerca de 150 revendedoras à frente de carrinhos refrigerados que comercializam produtos de porta em porta, como iogurtes, café e chocolates. "É um serviço que utilizamos em bairros onde provavelmente não conseguiríamos estar presentes de outra forma", diz Ivan Zurita, presidente da Nestlé. Após o contato direto de seus profissionais com esse público, a empresa constatou que dar alimentos de presente é um hábito comum. Daí surgiu a idéia de lançar a lata de leite condensado na cor dourada, com um laço vermelho desenhado, pelo mesmo preço da embalagem tradicional. A comercialização dessa versão do Leite Moça está prevista para o início deste ano nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.Como a Kimberly-Clark, a Nestlé, tem optado por diminuir o tamanho de algumas embalagens. Itens como leite em pó e café também passaram a ser comercializados em sachês. "A venda fracionada é fundamental nesse mercado", diz Zurita. Ele faz parte de um grupo de presidentes de empresas que visitam com freqüência o varejo e ali descobrem realidades inusitadas que ajudam a tocar os negócios. Em novembro, esteve num mercadinho em Pirambu, bairro da periferia de Fortaleza, e observou, surpreso, que, apesar de não haver geladeira na loja, ela acabara de receber um carregamento de iogurtes da marca. "Perguntei ao dono onde ele ia guardar os produtos", diz Zurita. "Ele disse que não era necessário: estava tudo vendido e as pessoas começavam a chegar à loja para buscar."
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